“Mudança em tempos de muitas mudanças”

Escrevo esse texto em meio à pior crise que já presenciei na minha vida. Eu normalmente teria receio em afirmar isso com tanta convicção no meio da crise, pois geralmente as coisas ficam mais claras à medida que as crises passam. Mas acredito que no caso da pandemia do Covid-19 ninguém vai discordar. Trago isso pois no meu caso vejo a situação com ares de ironia. Tudo que eu queria na minha vida e na minha carreira era uma mudança, mas não esse tipo que está acontecendo agora.

Quando me formei em Administração na UFRGS no início de 2011 ainda não sabia bem o que queria. Porém uma oportunidade de intercâmbio de trabalho me fez desembarcar em Nova York pela primeira vez para trabalhar uma grande firma de consultoria (PwC) como analista de bancos de dados. Passado o período do intercâmbio voltei ao Brasil, e por ter gostado da carreira, me inscrevi processo seletivo para consultor da área de estratégia dessa empresa no Brasil, no escritório de São Paulo, onde depois de algumas entrevistas fui aceito. Passados 8 anos acumulando experiências profissionais na empresa, em diferentes áreas, tendo trabalhado em escritórios dessas grandes firmas de consultoria em São Paulo, Curitiba e finalmente na minha Porto Alegre, estava estabelecido na firma, mas cada vez mais distante do que eu entendi que queria que fosse a minha carreira. Quando estava em Porto Alegre me foi oferecida uma vaga para o cargo de gerente na concorrente (EY), desafio que aceitei prontamente. Nesse momento havia então trabalhado em projetos pelo Brasil e alguns fora do país inclusive. Mas cada vez mais distante do que eu queria, sendo direcionado para áreas de maior demanda dos meus empregadores.

Só que eu não estava plenamente contente com o que eu estava fazendo. Eu estava sendo direcionado a trabalhar com algo que era uma necessidade do mercado, em projetos de análise e estratégias de risco. Mas o que eu queria fazer estava mais ligado à área de análise de dados e programação de rotinas de computador. Há anos vinha estudando a matéria por conta, mas sem aplicá-la no dia a dia. Mas sempre que pedia para trabalhar em projetos nessa área ouvia a mesma explicação para a negativa: não tens experiência.

Foi então que com o apoio da minha então namorada (nos casamos nesse meio tempo), decidimos que era um bom momento para eu realizar um plano antigo, o de “largar tudo” para ingressar em um bom mestrado no exterior na área de análise de dados para que eu finalmente pudesse direcionar o rumo da minha carreira. Assim, no fim de 2018 pedi desligamento, passei a dedicar os dias a estudar álgebra e estatística, que seriam os conhecimentos mais demandados nos testes para seleção do mestrado. Ao longo de 2019, fiz os testes, pedi apoio aos contatos que eu tinha de professores da EA (especial agradecimento aos professores Antônio Maçada e Mauro Mastella que me inscreveram ótimas cartas de recomendação que foram vitais nos meus processos de seleção) e me inscrevi nas universidades. Fui aceito por algumas universidades, podendo escolher para onde iria. Escolhi estudar na Universidade de Nova York (NYU) em função do prestígio da universidade e do currículo mais abrangente. O curso que ingressei não é apenas sobre análise de dados, mas focado na aplicação desses conceitos para resolver problemas urbanos, algo que sempre me entusiasmou.

Conhecer em outro país é uma experiência fascinante. Viver, estudar e trabalhar é uma experiência praticamente indescritível, pois em muitos aspectos você tem que reaprender a viver. Coisas do dia a dia como orientar a pessoa a cortar o seu cabelo ou fazer as compras da semana são coisas que não dá pra fazer no automático, há sempre alguma coisa a se aprender, os produtos e as medidas são diferentes, assim como algumas expressões específicas que não são ensinadas nos cursos. Porém não pensem que eu acho a experiência ruim, ou desencorajaria qualquer pessoa de realizar esse tipo de experiência, pelo contrário, se possível, eu sugiro a qualquer pessoa que queira se conhecer melhor, e expandir a mente, que o faça. No caso, a vivência em um lugar como os Estados Unidos é muito rica, e no caso de Nova York, onde moro no momento, isso é potencializado à escala mil. A cidade é uma das “esquinas do mundo”, pessoas de todos os tipos e lugares se cruzam por aqui. No caso de um mestrado em uma grande universidade aqui o normal é estar constantemente se relacionando com gente do mundo todo (entre meus 50 colegas, só a Antártida não está representada entre os continentes). Esse tipo de experiência (do dia a dia e dos colegas) se soma ao que aprendemos no curso. Perguntar para um chinês qual a visão dele a respeito da indústria tecnológica chinesa ou a um indiano sobre as diferentes culturas dentro da Índia é um curso de globalismo que vem de graça junto com o mestrado, ou seja lá qual experiência você estiver tendo.

Só que, como falei no início desse texto, vivemos a maior crise que a humanidade enfrentou nas últimas décadas, e essa situação sacudiu todo o meu planejamento, que ainda envolve tentar conseguir uma oportunidade para aplicar o meu conhecimento prático em alguma empresa ou instituição ainda aqui nos Estados Unidos, algo que é previsto para graduados em cursos de mestrado nesse país. Mas a incerteza a respeito dos rumos da economia atingiu à todos em cheio, e eu não escapei desse redemoinho.
No momento estou em casa, fazendo meu curso via internet. Não só assistindo às aulas, como trabalhando no meu projeto final, que no caso do meu curso envolve prestar consultoria para uma startup da área de planejamento urbano, onde vamos desenvolver uma solução que facilitará o processo de licenciamento ambiental de grandes projetos através da aplicação de técnicas e aprendizado de máquina para identificar quais áreas mais sensíveis desse processo. Inicialmente a ideia seria de nos reunirmos regularmente com a startup em seu escritório, fazer visitas de campo nos locais das obras, mas agora ao invés estou me acostumando a interagir com o grupo e com o cliente (chamamos a startup assim) através de ferramentas de colaboração on-line.

Para quem está pensando em investir tempo e dinheiro em um curso do tipo, eu digo que vale a pena o investimento, que não é pequeno. Se você for craque em matemática, especificamente na área de álgebra e for muito bem nos testes (GRE e GMAT) você pode conseguir uma bolsa para aliviar o custo. Mas mesmo sem bolsa, se tiver como pagar, é uma experiência que tem um ROI fantástico, em vários sentidos. O que mais me impressionou foi a estrutura das universidades por aqui. No caso da NYU, há abundância de recursos, de licenças de softwares para os estudantes, salas de estudos, bibliotecas, tutorias, grupos de estudo. Mesmo nos cursos mais difíceis, se a pessoa estiver disposta a procurar ajuda, ela vai passar com um bom rendimento.

Porém, eu gostaria de acabar esse texto de outra forma, falando da perspectiva de aplicar o meu conhecimento em organização por aqui. Mas definitivamente o que estou passando agora não era o que eu havia planejado. Acho que ninguém está vivendo um cenário planejado nesse momento. E em momentos como esse eu lembro das tardes que eu passava lendo partes de livros que eu achava interessante na biblioteca da EA, numa dessas passadas li um livro do Tom Peters (de quem virei fã e sigo no Twitter até hoje, recomendo seguirem o perfil dele) onde ele dizia: “Corra como um louco, então mude de direção!”. O que eu entendi disso é que se adaptar é tão, ou às vezes mais importante, do que planejar. Como alguém que trabalhou um tempo com gestão de risco, é claro para mim que temos que estar sempre prontos com estratégias alternativas, planos A, B, C, D…

Passamos os anos 2000 e 2010 ouvindo gurus e palestrantes falando em resiliência, adaptação, flexibilidade. Tudo isso é muito fácil de se falar na teoria. E é fácil falar para um empregado demitido que ele tem que ter resiliência, foco, fazer da desgraça uma oportunidade. Mas o que eu vejo nesse momento é gente completamente desesperada, pedindo para que todo o mundo faça algo para salvar as suas peles, a mesma gente que passou anos falando em parábolas de limão e limonada, replicando discursos enlatados de motivação para seus funcionários e outras pessoas.

Como eu falei, toda essa situação é de uma ironia perversa, para mim, para você que está lendo. Todos nós estamos enfrentando sacrifícios reais, algumas pessoas estão perdendo o que há de mais precioso, que é a companhia de pessoas queridas. Mas ainda assim não acredito que o que aprendemos com Peters e outros gurus seja completamente inválido. Temos que tentar extrair o melhor dessa situação, fazer planejamentos, estimar cenários. Nós, administradores temos essa vantagem: fomos treinados para tentar separar o emocional do racional, e escolher o melhor caminho possível. É o que eu estou tentando daqui, e espero que vocês consigam daí!

Guilherme é formado em administração pela Escola de Administração da UFRGS. Atuou por 8 anos em empresas de consultoria tendo atuado nas áreas de estratégia, tecnologia e gestão de risco. Após 3 anos como gerente de consultoria optou por se desligar do trabalho para ingressar em um mestrado na área de ciência de dados aplicados à problemas urbanos na Universidade de Nova York (NYU), nos Estados Unidos, onde tem formatura prevista para agosto de 2020.

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