Desde o pós-crise de 2008 o cenário de liquidez para empresas seja via crédito ou capital próprio só cresceu, e nos últimos anos acelerou-se a patamares antes impensáveis. Sem entrar no detalhe dos dados, pode-se utilizar dois argumentos inegáveis, sendo o primeiro a quantidade grande de países com taxa de juros nominal ou real negativas. E o segundo argumento é a quantidade de dinheiro investido em startups e empresas de pequeno porte, sendo que algumas delas não tem nem um plano de negócios robusto e consomem caixa em uma quantidade e velocidade nunca aceito antes pelos investidores, o exemplo mais famoso é o WeWork que praticamente saiu de um valuation de 50 bilhões de dólares para a falência, que só não ocorreu pois foi resgatado pelo seu maior acionista.
Entretanto, com o cenário do Covid-19 voltamos para o contexto de “Cash is king”, que é basicamente um mantra dentro do mundo financeiro e repetido dentro de escolas de negócio tradicionais até pouco tempo atrás. Da noite para o dia, quase todas as empresas de diversos setores passaram a pensar basicamente na sobrevivência, todos sabemos que uma empresa não quebra por falta de lucro e sim por falta de caixa.
Na gestão de caixa na crise existem algumas frentes que devem ser gerenciadas diretamente pela alta administração e podemos fazer a seguinte lista como um norte:
- Previsão e cenários: Antes de tudo você precisa entender qual seu fluxo de caixa e quais são os possíveis cenários que a empresa consegue seguir em frente sem maiores problemas. Sugiro fazer cenários de quantos meses ou semanas a empresa aguenta ficar sem receber nada dos clientes, ou quantos meses o cenário de liquidez se mantém recebendo apenas 50% versus o cenário anterior, o ideal é ter uma matriz com vários cenários. Só tendo uma visibilidade do real risco que a empresa se encontra é que as decisões necessárias poderão ser tomadas, por mais duras que elas sejam.
- Investimentos, despesas e estoques: Precisam ser revistos pela alta administração da empresa e reduzir, priorizar ou postergar tudo que não é essencialmente necessário para o momento, ninguém sabe o que vai acontecer e quanto tempo vai durar, o ideal é se preparar para o pior.
- Contas a pagar: Mesmo que você tenha uma boa capacidade de pagamentos, esse é o momento de negociar extensão de prazo de pagamentos, lembre-se que a empresa está em “Survival Mode” e o cenário sempre pode piorar, as demais empresas também estão preocupadas com isso, faça a lista dos maiores fornecedores e negocie um a um. Caso a empresa esteja em uma situação muito confortável de caixa, sugiro negociar um desconto no valor se pagar antecipado, mas precisa ser um valor relevante.
- Contas a receber: Monitore seus principais clientes e monte cenários de inadimplência e como você tratará os seus clientes caso ocorra, muitas empresas não estão acostumadas com um alto nível de inadimplência, Uma abordagem pró-ativa para os clientes que estão em situação preocupante ou que tem histórico ruim pode ser uma boa alternativa para receber o pagamento mesmo que seja um valor menor ou em um prazo maior. Caso você tenha vendas via cartão de crédito estude a possibilidade de antecipar caso seja necessário, ou tenha em mente qual o nível de caixa mínimo que você precisa para operar e puxar essa alavanca de adiantamento se necessário.
- Empréstimos e Capital Próprio: Levante as possibilidades de empréstimos e capital próprio (de acionistas atuais ou novos acionistas) que podem ser utilizados, em uma crise todas as empresas vão procurar por isso, o quanto antes você fizer melhor e provavelmente se fizer isso enquanto estiver com uma boa saúde financeira o preço cobrado será menor e a chance de receber uma resposta negativa também será, traduzindo para uma linguagem bem simples, é mais fácil pegar dinheiro emprestado enquanto seu caixa está alto do que quando você começar a não pagar seus fornecedores. Nenhum banco quer emprestar dinheiro para quem já está devendo. Procure diversos bancos, não só aquele que você trabalha normalmente e fique atento aos anúncios dos governos pois diversas linhas estão sendo anunciadas a cada semana. Um ponto a destacar é que se essa é a primeira vez que você está discutindo com o banco sobre empréstimos é porque você cometeu um erro, a questão de financiamento é resultado do seu relacionamento com o banco e você precisa construir isso no longo prazo, por mais que o seu negócio gere caixa constantemente, é dever do administrador se planejar para cenários adversos. Você precisa reservar um tempo da sua rotina para criar esse relacionamento com o banco, demais agentes do mercado financeiro e investidores para entender quais são os diversos tipos de financiamento existentes e para que eles te conheçam e vejam que seu histórico é de sucesso.
Essas são apenas algumas iniciativas básicas que toda empresa deveria analisar em tempos como esse. Mas de uma maneira ou de outra essa gestão já deveria estar sendo feita no dia a dia, só precisamos é fazer o ajuste para o modo crise que demanda iniciativas mais robustas e complexas. Os tempos de crescimento voltarão, entretanto não se esqueça que sim “Cash is king” e já deixe o plano de gestão de caixa na crise pronto para a próxima, pois outra certeza é que teremos outra.
Em um mundo que a informação é abundante, o mais difícil é escolher qual fonte consumir. Para tentar me manter informado tenho a seguinte rotina:
1 – Valor Econômico – Leitura diária, recomendo fortemente ser assinante, se não for possível, algumas matérias são abertas ao público.
2- Bloomberg – Sempre vejo as principais manchetes pela manhã e quando tenho um tempo assisto alguns minutos pela manhã o canal dos EUA pela internet.
3- Morse News – Newsletter semanal sobre Tech, Mobile e Big Data.
4 – No Mercy, No Malice – Newsletter semanal do professor Scott Galloway sobre tecnologia e negócios (foi um dos primeiros a prever a queda do WeWork)
5 – New York Times – Leio as matérias que mais me interessam algumas vezes por semana e tem ótimos colunistas como Thomas Friedman, a versão digital tem um preço bem acessível.
– Nicholas Matte formou-se em Administração com ênfase em Finanças pela EA-UFRGS em 2010 e atualmente é Head de Planejamento Financeiro na Ambev para a unidade de negócios de Cerveja no Brasil. Tem mais de dez anos de carreira em que ocupou majoritariamente posições em finanças, mas também possui experiência em logística e vendas. Tem pós-graduação em Finanças também pela EA-UFRGS, MBA Executivo Internacional pela FIA-USP, MBA Corporativo pelo INSPER e cursos pela Babson College e Darden School of Business.